A mulher cabo-verdiana passou da alfabetização à ação política

Duas cabo-verdianas que viveram a independência na juventude carregam na memória as mudanças no país: hoje, há mais mulheres na educação e na política, mas a desigualdade de género ainda limita o acesso ao poder e à economia.

REPORTAGEM: Mulheres da aldeia cabo-verdiana de Trás-os-Montes fazem renascer "pano de terra"

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Lusa
15/06/2025 10:00 ‧ há 9 horas por Lusa

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Cabo Verde

"Logo após a independência", em 1975, a prioridade era "alfabetizar as mulheres", recorda Glória Silva, 70 anos, antiga dirigente do Instituto da Condição Feminina, hoje Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG), numa alusão à forte presença do analfabetismo.

 

O acesso ao planeamento familiar e à saúde sexual e reprodutiva foram outras conquistas nos primeiros anos pós-independência.

A educação e os cuidados de saúde materno infantis também registaram melhorias, mas a autonomia financeira das mulheres era ainda muito "frágil".

As mulheres dependiam totalmente do rendimento dos maridos e, perante a "miséria" que o país atravessava, "muitas" partiram para Portugal e Itália em busca de melhores condições.

"Sou da primeira geração de mulheres emigradas. Estive fora durante 11 anos e regressei porque os desafios eram enormes", relata.

Nos anos 90, a participação feminina na política começou a crescer, mas em 1991, nas primeiras eleições multipartidárias, apenas três deputadas foram eleitas.

Um marco ocorreu em 1995, com a conferência mundial das mulheres, em Pequim, que incentivou associações e a integração da perspetiva de género nas políticas públicas.

Já na década de 2010, os "avanços eram visíveis", com mais mulheres eleitas, mas há uma discriminação que persiste até hoje.

"Ninguém perguntava a um homem se ele tinha mérito de estar numa lista partidária, mas à mulher, exigiam-se provas, mesmo quando tinham mais qualificações e experiência", aponta, referindo que este tipo de discurso prevalece.

"O poder não se dá, conquista-se passo a passo", afirma Glória Silva, considerando que o aumento da autoestima das mulheres é fundamental para a sua participação.

Hoje, a "maioria das mulheres tem formação superior e sobressai nas escolas e universidades", mas é "urgente" investir mais nas áreas tecnológicas e no empreendedorismo para gerar rendimento e poder económico.

Com um percurso multifacetado -- professora em Itália, deputada para Europa e resto do mundo, técnica no Ministério da Agricultura e vereadora na Câmara da Praia --, Glória Silva testemunhou a luta pela igualdade em Cabo Verde.

Filomena Delgado, 71 anos, antiga ministra da Educação e primeira mulher líder de um partido político no país, o Movimento para a Democracia (MpD), reconhece avanços, mas lembra que as desigualdades persistem, sobretudo pelo peso do trabalho doméstico que ainda recai sobre as mulheres.

Atualmente, só uma das 22 câmaras municipais (Porto Novo, ilha de Santo Antão) é liderada por uma mulher, eleita nas autárquicas de dezembro de 2024.

"As áreas mais críticas são a política e a economia", refere.

Além disso, as mulheres continuam sub-representadas em áreas como ciência, engenharia e tecnologias, que oferecem melhores salários.

"Se compararmos a mulher cabo-verdiana de 1975 com a de 2025, vemos uma mudança enorme, mas ainda há muito caminho a fazer", conclui.

Rosy Timas, 48 anos, dançarina contemporânea há 25 anos, reforça que a igualdade passa também pela arte e valorização da sensibilidade feminina.

Na sua área, dominada por homens, gostava que houvesse mais presença feminina, considerando-as "criadoras que embelezam e dão o detalhe" a uma obra.

Só que "muitas mulheres ainda não ousam explorar o seu potencial criativo por condicionamentos sociais", refere.

Rosy quer que "cada mulher possa voar livremente, sem medo nem restrições".

A dança contemporânea é pouco conhecida em Cabo Verde e o público reage com estranheza a cada apresentação, até com risos, mas a dançarina procura "tocar as pessoas e provocar reflexão".

Para Rosy, a igualdade é um balanço entre passado e futuro, com o machismo ainda presente, lidando com ele "através da inteligência emocional".

Cabo Verde tornou-se independente de Portugal a 05 de julho de 1975, após a Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura e ao domínio colonial.

Leia Também: Primeiro liceu de Cabo Verde guarda legado à espera de requalificação

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