Em fevereiro de 2023, a Polícia Federal (PF) brasileira resgatou 207 pessoas que trabalhavam, em condições de escravatura, em vinhas na cidade de Bento Gonçalves, no estado do Rio Grande do Sul, que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai.
"Este caso de escravatura moderna foi muito surpreendente para muitas pessoas no Brasil", disse Andrew Crane, diretor do Centro para Negócios, Organizações e Sociedade da Universidade de Bath, no Reino Unido.
O Brasil tinha "um sistema de fiscalização muito bom", sublinhou Crane, que deu como exemplo o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, conhecido como "Lista Suja".
"Grande parte desta fiscalização diminuiu durante os anos de Bolsonaro, mas digamos que foi como que ressuscitada novamente agora", acrescentou o investigador da Escola de Gestão da Universidade de Bath.
Em março de 2023, as três empresas vitivinícolas envolvidas no escândalo em Bento Gonçalves concordaram em pagar sete milhões de reais (1,1 milhões de euros) em indemnizações, incluindo dois milhões (316 mil euros) às vítimas.
Um dos resgatados disse que os trabalhadores "não recebiam salário, recebiam empréstimos com taxas de juro elevadas e tinham a sua liberdade e mobilidade restringidas, além de terem sido agredidos fisicamente".
A PF disse que "os trabalhadores foram recrutados de outros estados" brasileiros, principalmente da Baía (nordeste), mas também de outros países, por uma empresa de serviços.
Crane disse que este caso reflete "uma mudança na organização do trabalho", com a "transferência de práticas de exploração" de indústrias de baixo valor acrescentado, como a produção de carvão, para setores mais sofisticados.
"Costumavam ser trabalhadores locais que iam trabalhar nas colheitas [das uvas]. Mas agora são mais os trabalhadores migrantes, nacionais ou internacionais, que são contratados por intermediários", sublinhou o britânico.
Crane falava à margem de um fórum sobre ética de negócios, organizado pela Universidade Cidade de Macau, onde discutiu o aumento da escravatura moderna em tempos de conflitos.
As autoridades brasileiras resgataram 2.004 pessoas que trabalhavam em condições análogas à escravatura no país em 2024, segundo um relatório do Ministério do Trabalho.
A construção civil foi a área em que houve mais resgates, com 293 casos, seguindo-se o cultivo do café (214) e da cebola (194).
Entre 2003 e 2024, mais de 155 milhões de reais (25 milhões de euros) em indemnizações foram pagos às vítimas.
Nos últimos 30 anos, 65.598 pessoas que foram "submetidas a trabalho degradante" foram resgatadas no Brasil, de acordo com o Governo brasileiro.
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