"Todos nós percebemos o que é a entrada de uma lança no cachaço do animal e, obviamente, que estes ferimentos vão provocar a perda de sangue ao animal, que já está num ambiente que lhe é hostil. Julgo que podemos dizer, claramente, que o animal está a ser massacrado", explicou a provedora do animal nos Açores, Dagmar Sampaio, na Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Regional, reunida em Ponta Delgada.
A audição ocorreu a propósito de uma petição, entregue no parlamento açoriano, subscrita por um grupo de cidadãos, que se opõe à eventual introdução da 'sorte de varas' ou 'lides picadas' (em que o touro é picado por uma lança) nos espetáculos tauromáquicos, na sequência de declarações recentes do secretário regional da Agricultura, António Ventura, a propósito deste assunto.
Subscrita por mais de 2.200 pessoas, a petição defende que "voltar a legalizar este tipo de violência é um enorme retrocesso civilizacional, ainda mais quando se tenta passar uma imagem dos Açores como destino de natureza e de bem-estar animal".
A provedora do Animal nos Açores entende que a 'sorte de varas' "não garante o bem-estar animal" nos espetáculos tauromáquicos e considera mesmo que esta prática, permitida ainda em alguns países europeus, vai acabar por desaparecer, de uma forma natural, com o tempo.
"Custa-me, um bocadinho, a terminologia de espetáculo, quando nós estamos a presenciar, em boa verdade, de forma mais ou menos agressiva, maltrato animal!", realçou Dagmar Sampaio.
Também Diogo Caetano, da associação ecologista "Amigos dos Açores", ouvido hoje pelos deputados, contestou a eventual introdução da 'sorte de varas' no arquipélago por considerar que não se pode "aceitar o aumento do sofrimento animal, à custa da diversão humana".
No seu entender, haverá também um "conflito de interesses" em torno desta matéria, uma vez que foi um membro do Governo Regional de coligação (PSD/CDS-PP/PPM) quem sugeriu que o parlamento regional alterasse a legislação, no sentido de permitir as lides picadas nos espetáculos tauromáquicos.
"Estar um membro do executivo a procurar suporte na Assembleia Legislativa para tentar viabilizar uma determinada iniciativa, parece-nos que é um claro conflito de interesses", insistiu o ecologista, que defende também que as touradas "não devem ter apoios públicos".
Recorde-se que a 'sorte de varas' foi aprovada na Assembleia Legislativa dos Açores em 2002, mas o diploma acabou por ser vetado pelo ministro da República para os Açores de então, Sampaio da Nóvoa, e enviado para o Tribunal Constitucional, que o rejeitou.
Em 2009, um grupo de deputados, liderado pelo social-democrata José Manuel Bolieiro (atual presidente do Governo Regional dos Açores), tentou trazer a 'sorte de varas' de novo ao parlamento regional, com o apoio de vários outros parlamentares do PSD, do PS, do CDS e do PPM.
O argumento invocado era que as 'lides picadas' permitiriam melhorar a "qualidade artística" das touradas na ilha Terceira, atraindo e satisfazendo as exigências das grandes figuras do toureio mundial, mas o diploma acabou chumbado, por apenas um voto de diferença.
Leia Também: Touro foge em celebração religiosa no Peru e gera pânico. Há 30 feridos