"É urgente parar de romantizar o cansaço como sinónimo de dedicação"

Líderes devem ter "espaço para  pensar, liderar e cuidar da sua própria energia". Marina Almeida, business advisor, reflete, em entrevista ao Notícias ao Minuto, sobre o papel dos líderes nas empresas.

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Beatriz Vasconcelos
01/05/2025 08:05 ‧ ontem por Beatriz Vasconcelos

Economia

Marina Almeida

Assinala-se esta quinta-feira, 1 de maio, o Dia do Trabalhador, numa altura em que se reflete sobre o ambiente empresarial, nomeadamente sobre a estrutura das organizações e sobre o papel dos líderes. Qual o perfil de um 'bom líder'? Que características deve ter? Como influencia o desempenho dos restantes trabalhadores? 

 

Marina Almeida, 'business advisor' com mais de 20 anos de carreira junto de empresas como a Airbus, Galp, RAR, Martifer e Filinto Mota e outros projetos europeus, defende, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que devemos deixar de "romantizar o cansaço como sinónimo de dedicação", apontando que estes devem ter "espaço para  pensar, liderar e cuidar da sua própria energia". É aqui que entra o papel da delegação de tarefas. 

Na opinião de Marina Almeida, os líderes "que impactam" não são os que "controlam tudo", mas antes aqueles que têm "coragem de confiar".

Os melhores resultados não surgem de quem faz mais, mas de quem lidera melhor

Qual é a importância de uma boa liderança numa empresa?

A liderança é o ponto de partida e o ponto de sustentação de qualquer empresa. Uma liderança consciente não apenas define a direção estratégica, como também dita o ritmo, o tom e a cultura da organização. Um negócio é, invariavelmente, um reflexo direto de quem o lidera.

Liderar é criar contexto, estabelecer prioridades claras, tomar decisões com intencionalidade e influenciar positivamente o comportamento das equipas. A liderança afeta todas as camadas da empresa.

Uma liderança ausente ou confusa gera ambientes desorganizados, com baixa produtividade, desmotivação e falta de foco. Por outro lado, uma liderança presente e estruturada, que sabe equilibrar performance com humanidade, cria um terreno fértil para o crescimento sustentável.

Os melhores resultados não surgem de quem faz mais, mas de quem lidera melhor. E não é por acaso que empresas com bons líderes são, tendencialmente, mais rentáveis, mais estáveis e mais humanas.

O líder tem a responsabilidade de ser um referencial de coerência e direção (...) quando um líder muda, tudo pode mudar

Que papel têm os líderes na estrutura de uma empresa?

Os líderes são a espinha dorsal da estrutura empresarial. Cabe-lhes garantir que há alinhamento entre a visão da empresa, a sua estratégia e a execução no terreno. São os principais guardiões da cultura organizacional e da clareza na comunicação. Um líder consistente assegura não só uma equipa funcional, mas uma estrutura que se adapta, evolui e cresce com sustentabilidade.

Mais do que ocupar uma posição hierárquica, o líder tem a responsabilidade de ser um referencial de coerência e direção. Quando um líder comunica com clareza, toma decisões com intencionalidade e promove um ambiente onde há espaço para a aprendizagem e para a responsabilidade partilhada, toda a estrutura empresarial beneficia. É também o líder quem garante que os recursos são bem alocados, que os processos estão a servir os objetivos e que há um verdadeiro ecossistema a funcionar e a sustentar o crescimento.

Por isso, quando um líder muda, tudo pode mudar. E quando um líder se desenvolve, toda a empresa evolui.

Uma boa liderança inspira, orienta e impulsiona. Uma liderança desconectada ou disfuncional gera medo, confusão e estagnação (...) a liderança tem um efeito multiplicador: o que o líder sente, pensa e faz, propaga-se pela organização

Como é que o trabalho (seja ele bom ou mau) da liderança pode influenciar o desempenho dos trabalhadores?

Uma boa liderança inspira, orienta e impulsiona. Uma liderança desconectada ou disfuncional gera medo, confusão e estagnação. O comportamento e o estado emocional do líder influenciam diretamente o clima organizacional, o grau de compromisso da equipa e a qualidade do desempenho coletivo.

Um líder que comunica com clareza, que confia e delega, que dá feedback construtivo e que está emocionalmente presente, promove um ambiente de segurança onde as pessoas se sentem motivadas a contribuir e a dar o seu melhor. Por outro lado, um líder ausente, controlador ou instável pode gerar medo, desgaste emocional e uma cultura de 'cumprir por cumprir'.

O estado interno do líder é contagiante. Se o líder está cronicamente estressado, ansioso ou sem foco, isso vai refletir-se na forma como a equipa trabalha, se relaciona e entrega resultados. A liderança tem um efeito multiplicador: o que o líder sente, pensa e faz, propaga-se pela organização.

Por isso, trabalhar a liderança é, na prática, trabalhar a performance da empresa. Porque nenhuma estratégia funciona bem num ambiente onde há medo, desorganização ou falta de coerência. Quando o líder cresce, o negócio acompanha. E quando o líder está bem, a equipa tem espaço para crescer e evoluir.

Líderes que vivem em modo de sobrevivência não têm tempo para pensar o negócio, apenas para reagir ao que ele exige

Porque é que defende que os "CEOs e fundadores estão a queimar - e a queimar as suas equipas junto"?

Porque muitos líderes ainda vivem presos à operação, acumulando tarefas, tentando controlar tudo e esquecendo-se de cuidar de si. Essa pressão constante e a falta de estrutura estão a levar muitos CEO a estados de exaustão. E um líder esgotado não só perde clareza, como também transfere esse caos para toda a equipa. Mas mais do que uma questão de carga horária ou volume de tarefas, o que está em causa é a ausência de espaço mental e estratégico. Líderes que vivem em modo de sobrevivência não têm tempo para pensar o negócio, apenas para reagir ao que ele exige. E quando isso se torna o padrão, entra-se num ciclo vicioso: quanto mais o líder tenta compensar a desorganização com mais trabalho, mais ele se afasta da verdadeira função de liderar.

É urgente parar de romantizar o cansaço como sinónimo de dedicação. (...) É preciso que o CEO tenha espaço para pensar, liderar e cuidar da sua própria energia

Esta sobrecarga afeta diretamente o clima da equipa: aumenta a rotatividade, reduz a motivação e compromete a qualidade do trabalho. Os colaboradores sentem o peso do cansaço do líder, da falta de clareza e da ausência de direção. A direção de topo contamina toda a estrutura.

É urgente parar de romantizar o cansaço como sinónimo de dedicação. O verdadeiro compromisso é aquele que cria resultados sustentáveis, não apenas imediatos. E para isso, é preciso que o CEO tenha espaço para pensar, liderar e cuidar da sua própria energia. Caso contrário, não há negócio que resista, nem equipa que aguente.

Considera que há excesso de pressão destes sobre os líderes e, por consequência, sobre a restante equipa?

Sim, sobretudo em pequenas e médias empresas, onde muitas vezes o CEO é também o gestor, o comercial e o executor. A falta de processos, a ausência de delegação inteligente e a cultura de urgência são terreno fértil para um ciclo de pressão permanente.

Estes líderes acabam por viver em modo de constante “resolução de problemas”; com agendas sobrecarregadas e sem espaço para refletir ou planear. Com o tempo, essa pressão contamina a cultura da empresa: equipas sempre a correr atrás do prejuízo, prioridades que mudam constantemente e um ambiente onde a estabilidade dá lugar à ansiedade.

[Um bom líder] sabe gerir a si mesmo antes de querer gerir os outros

Além disso, muitos destes líderes sentem que não podem demonstrar vulnerabilidade ou pedir ajuda, o que intensifica ainda mais o isolamento e a sobrecarga. Esta dinâmica de autossuficiência forçada não só prejudica a sua saúde emocional, mental e física, como também inibe o crescimento da equipa, que passa a depender exclusivamente do topo para cada decisão.

Uma cultura de performance sustentável começa por reconhecer que nenhum líder consegue (nem deve) carregar tudo sozinho. É através da estrutura, da clareza e da partilha de responsabilidade que se reduz a pressão e se constrói um ambiente onde há espaço para crescer sem colapsar.

Que características deveria ter, na sua opinião, uma liderança coesa e funcional?

Clareza, empatia, consistência e capacidade de decisão. Um bom líder sabe onde quer ir, comunica com verdade e estrutura processos que permitem à equipa agir com autonomia. Além disso, sabe gerir a si mesmo antes de querer gerir os outros.

Uma liderança coesa é aquela que promove alinhamento entre visão, cultura e a execução no dia a dia. É aquela que não muda de direção a cada obstáculo, mas que sabe adaptar-se com firmeza e escuta ativa. Um líder funcional é aquele que cria um ambiente de segurança, onde cada membro da equipa sente que pode contribuir, errar, aprender e crescer.

A clareza evita mal-entendidos, a empatia aproxima, a consistência gera previsibilidade e a capacidade de decisão cria movimento. Estes quatro elementos juntos formam uma base sólida para uma cultura de alto desempenho com equilíbrio humano.

Para além disso, uma liderança coesa sabe integrar performance com bem-estar. Sabe ouvir, dar feedback, reconhecer talentos e assumir responsabilidades. É uma liderança que não controla, mas influencia; que não sobrecarrega, mas capacita; que não brilha sozinha, mas constrói um ecossistema forte e colaborativo.

Hoje, mais do que nunca, o mundo precisa de líderes inteiros e preparados para tomar decisões com sentido. Porque é da qualidade da liderança que depende a qualidade do negócio, das empresas e das pessoas que integram.

Como é que se cria uma cultura de trabalho sustentável?

Com liderança presente e coerente. Uma cultura sustentável nasce de valores bem definidos, processos claros e uma equipa que sente que pode contribuir, crescer e ser ouvida. Sustentabilidade não é apenas financeira: é também emocional e relacional. 

Criar uma cultura de trabalho sustentável exige intencionalidade. Significa desenhar um ambiente onde há clareza nas expectativas, transparência na comunicação e consistência entre o que se diz e o que se faz. É uma cultura que respeita o ritmo humano e promove um equilíbrio entre performance e bem-estar.

Envolve criar espaços para feedback construtivo, celebrar conquistas e aprender com os erros sem medo. Implica, também, implementar momentos que reforcem a identidade da equipa, alinhem objetivos e mantenham viva a visão comum.

Os maiores desafios estão dentro do próprio líder. (...) carregam o peso do 'ter que dar conta de tudo'

Uma cultura sustentável é aquela que se mantém mesmo quando o fundador não está presente. Que valoriza o desenvolvimento contínuo, a colaboração transversal e o compromisso com algo maior do que apenas o lucro. Empresas assim retêm talentos, inovam com consistência e constroem reputação a longo prazo.

No centro dessa cultura está sempre o líder. Porque é ele quem dá o tom, define o ritmo e assegura que os valores não ficam apenas nas paredes, mas vivem no dia a dia de toda a equipa.

Tendo em conta a experiência que tem e o cenário que observou em várias empresas, quais são os principais desafios da liderança?

Os maiores desafios estão dentro do próprio líder: medo de delegar, dificuldade em comunicar com assertividade, resistência à mudança, e a tendência de colocar o negócio acima de si mesmo.

Muitos líderes carregam o peso do “ter que dar conta de tudo”. Esta crença, embora comum, leva à sobrecarga, ao controlo excessivo e à incapacidade de formar equipas verdadeiramente autónomas. Outro desafio recorrente é a dificuldade em sair do modo operacional para o modo estratégico - o que exige tempo, introspecção e capacidade de confiar.

O desafio talvez mais invisível: cuidar de si mesmo enquanto líder. (...) Um líder esgotado é um risco para o futuro da sua empresa

Há também o desafio da coerência: alinhar aquilo que se diz com o que se pratica.

Numa era em que a liderança é observada de perto, qualquer dissonância entre discurso e comportamento pode afetar profundamente a cultura da empresa.

Além disso, liderar em contextos de incerteza e mudança contínua exige agilidade emocional e abertura para aprender constantemente. Líderes que não se desenvolvem pessoalmente acabam por repetir padrões disfuncionais e travar o crescimento do seu próprio negócio.

Por fim, o desafio talvez mais invisível: cuidar de si mesmo enquanto líder. Muitos gestores negligenciam o seu bem-estar, o seu descanso e a sua clareza mental em nome do “compromisso com o negócio”. Mas um líder esgotado é um risco para o futuro da sua empresa. Por isso, é urgente e necessário que o desenvolvimento do líder acompanhe o crescimento da empresa. Sempre.

Quando desenha um plano para uma empresa, que fatores têm em consideração?

Avalio sempre quatro pilares: financeiro, comercial/clientes, processos e pessoas/liderança. Sem equilíbrio entre eles, não há crescimento sustentável. O plano deve refletir não apenas metas, mas também o ADN da empresa e a identidade de quem a lidera.

Cada plano que desenho parte do ponto de situação atual do negócio e da pessoa que o lidera. É essencial fazer um diagnóstico que envolva os números, os processos e, sobretudo, as dinâmicas humanas que estão a acontecer na empresa. Um plano só é viável se considerar a realidade concreta e os recursos reais do negócio.

A componente financeira dá o norte da sustentabilidade. O comercial traduz o impacto no mercado. Os processos asseguram a consistência e escalabilidade. E o pilar pessoas e liderança revela a cultura da empresa, a sua capacidade de se reinventar e mobilizar equipas. Sem estes quatro vetores em sintonia, qualquer plano corre o risco de ser apenas teoria no papel.

Levo também em consideração a fase de maturidade da empresa, o líder e quadros, os sistemas de tomada de decisão e a visão a longo prazo. Um plano bem feito respeita o ritmo do negócio, mas desafia-o a sair do lugar. Não se trata apenas de definir objetivos, mas de construir os alicerces que permitem atingi-los com clareza, previsibilidade e impacto.

Qual é o perfil das pessoas que devem desempenhar funções de liderança? Como é que o fator humano e a sustentabilidade do negócio podem dar as mãos?

Liderança não é sobre ter todas as respostas. É sobre fazer as perguntas certas, ouvir com profundidade e agir com consistência. Os líderes mais eficazes são os que têm coragem de se conhecer, de aprender continuamente e de cuidar das suas equipas como parte central da estratégia. O humano é o centro do negócio. Negócios que cuidam de pessoas, crescem com mais previsibilidade, humanidade e lucro.

O perfil ideal de um líder não se define apenas por competências técnicas, mas pela sua capacidade de autoconhecimento, escuta ativa, visão sistémica e liderança com empatia.

Os líderes que mais impactam não são os que controlam tudo, mas os que têm coragem para confiar, delegar e criar espaço para que outros cresçam também

Um verdadeiro líder sabe regular as suas emoções, tem clareza sobre a sua missão e sabe inspirar sem precisar impor. Estes líderes reconhecem que as pessoas são o ativo mais valioso da empresa. Sabem que equipas motivadas, seguras e envolvidas produzem mais, inovam mais e permanecem mais tempo.

Por outro lado, a sustentabilidade do negócio é garantida quando o fator humano é integrado desde a origem: nas decisões, nos processos, na cultura. Empresas que prosperam a longo prazo são aquelas que tratam as suas pessoas como parte da solução, não como recurso descartável.

Na minha experiência, os líderes que mais impactam não são os que controlam tudo, mas os que têm coragem para confiar, delegar e criar espaço para que outros cresçam também. O futuro pertence às lideranças conscientes e comprometidas com resultados que são sustentáveis para o negócio e para quem o faz acontecer.

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