No primeiro dia do julgamento em que responde por abuso de confiança e burla, em Lisboa, Amílcar Morais Pires assegurou que, na altura, pediu ao então presidente do Banco Espírito Santo (BES) que o informasse sobre as questões "pendentes no dossiê de Angola" e desse orientações sobre como discutir com o BESA a situação financeira da instituição, tendo-lhe Ricardo Salgado respondido que, mesmo tendo o pelouro, não poderia contactar com Álvaro Sobrinho.
"O Dr. Ricardo [Salgado] disse que ia ver o assunto. Não teria acolhimento que o Dr. Álvaro Sobrinho reportasse a mim. Ele continuaria a reportar ao Dr. Ricardo [Salgado]", afirmou o economista, de 63 anos.
Questionado pelo juiz-presidente se tal significava que o ex-banqueiro tinha o pelouro material do BESA, Amílcar Morais Pires respondeu que sim.
"O Dr. Ricardo [Salgado] disse-me: 'eu falo primeiro com o Álvaro [Sobrinho] antes de te passar a pasta'. Até novembro, até à Assembleia-Geral de 06 de novembro de 2012, não tive contacto com Álvaro Sobrinho", acrescentou.
Amílcar Morais Pires tinha assumido o pelouro do BESA em maio de 2012, no âmbito de uma reorganização interna.
O arguido garantiu que só soube dos desequilíbrios na subsidiária angolana do BES e dos riscos que tal constituía para o banco português em junho de 2012, numa reunião com representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco de Portugal, numa altura em que o país estava sob assistência financeira.
Três dias mais tarde, o alerta do FMI foi discutido na Comissão Executiva do BES, assegurou.
"A minha atuação ao longo do meu mandato foi sempre referendada com os membros da Comissão Executiva [do BES]", frisou, rejeitando a imputação de que tenha omitido informações.
Em causa neste processo está, nomeadamente, o alegado desvio, entre 2007 e 2012, de fundos de um financiamento do BES ao BESA em linhas de crédito do Mercado Monetário Interbancário (MMI) e em descoberto bancário.
Hoje, Amílcar Morais Pires recordou, a propósito da subscrição há cerca de 20 anos pelo BESA de dívida pública angolana, que "sempre houve, pelo menos durante uma fase, uma cobertura institucional por parte do Estado angolano" na relação entre os dois bancos, traduzida, por exemplo, no depósito significativo na esfera do BES de "reservas externas" do Banco Nacional de Angola (BNA).
Num depoimento que vai prosseguir na sexta-feira, o economista associou ainda a subscrição da dívida pública a uma necessidade de mostrar um "compromisso com Angola" numa altura em que existiam rumores de nacionalização de bancos no país africano.
Além de Amílcar Morais Pires, estão a ser julgados Ricardo Salgado, de 80 anos e doente de Alzheimer, Álvaro Sobrinho, de 62, o empresário luso-angolano Helder Bataglia, de 78, e o ex-administrador do BES Rui Silveira.
Na primeira sessão do julgamento estiveram presentes apenas Amílcar Morais Pires e Rui Silveira.
Ricardo Salgado foi autorizado pelo coletivo de juízes a não estar presente devido ao seu estado de saúde e Helder Bataglia por residir em Angola.
Álvaro Sobrinho, que alegou não ter o visto necessário para se deslocar a Portugal para ser julgado, foi multado pelo tribunal em 204 euros por ter faltado.
Em geral, os arguidos respondem por abuso de confiança, branqueamento e burla e negam a prática dos crimes.
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