Organizado pela Rede H - Rede Nacional de Estudos sobre Habitação, que reúne membros da academia, sociedade civil, terceiro setor e instituições públicas e privadas, o debate 'Vamos falar de controlo de rendas?' teve o condão de acabar com "o tabu" em torno do tema, concordaram os seis participantes, três geógrafos (Gonçalo Antunes, Luís Mendes e Simone Tulumello), duas economistas (Rita Silva e Susana Peralta) e uma arquiteta (Helena Roseta).
A Lusa conversou à margem com dois deles, com visões distintas sobre a medida.
Para Simone Tulumello, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, "hoje em dia, em Portugal, não há alternativas ao controlo de rendas".
Enquanto não se amplia o parque de habitação pública em Portugal (que se situa apenas nos 2%), não há outra solução "para controlar um mercado que está completamente desregulado", sustenta.
Já Susana Peralta, professora na NOVA SBE, alerta para os "vários efeitos de médio e longo prazo" que medidas desse tipo gerariam no mercado de habitação e, sobretudo, para o facto de não ser "nada claro" que se garanta "que esses preços controlados não vão parar às mãos das pessoas que, de todo o modo, já teriam possibilidade de pagar as rendas atuais" sem grande taxa de esforço.
Ou seja, se "simplesmente" se regular a renda, não se saberá "quem é que acaba por ficar com essa casa de preço regulado", aponta.
A discussão em torno do controlo de rendas "é ideológica", opondo quem encara a habitação como um direito e quem a vê como um bem transacionável, distingue Tulumello, reconhecendo que em Portugal "a habitação foi sempre considerada muito mais um objeto para ser vendido no mercado".
Por oposição, reivindica, se se quer que "a habitação seja um direito, inevitavelmente é preciso fazer políticas diferentes" e regular as rendas "é a única forma que pode rapidamente levar uma parte substancial do parque imobiliário a estar sob um controlo de preços que as pessoas que aqui vivem e trabalham possam pagar".
Lembrando que "há dez anos falar de controlo de rendas era impossível" e "inimaginável" até na academia, Tulumello vê "mais espaço político" para este debate.
"Acho que se está a ampliar, temos partidos com expressão parlamentar que falam de controlo de rendas, o que não havia há uns anos", assinala.
O geógrafo confia que será "inevitável" que haja controlo de rendas em Portugal "daqui a uns anos", sem arriscar dizer quando.
"A questão é que tipo de controlo de rendas, relacionado com que políticas", realça.
Já Susana Peralta aponta para as "muitas distorções" que um sistema de controlo de rendas com "regras muito estritas" geraria, porque as regras a aplicar não poderiam ter em conta, por exemplo, circunstâncias familiares como uma diminuição ou um aumento transitórios do agregado ou o recurso ao regime de teletrabalho.
"Se estás a pôr mais casas no mercado, aí sim estás a garantir que há lugar para mais pessoas", contrapõe a economista, defendendo ao mesmo tempo que se crie um "sistema de transparência", que inclua um registo nacional do arrendamento, "para perceber que casas estão no mercado e quais é que são as suas características".
Simultaneamente, "a questão das casas vazias é essencial", defende.
"Antes de mexermos, de irmos regular diretamente o preço das rendas, acho que devíamos distinguir claramente as pessoas que compram ou arrendam casa para lá viver das pessoas que compram casa como reserva de valor, como mero bem de investimento", propõe, defendendo "regras muito claras" para o segundo grupo, nomeadamente "uma fiscalidade muito agressiva, para obrigar essas pessoas a porem as casas no mercado".
Além disso, defende, devem apoiar-se os contratos de longo prazo.
"Temos benefícios fiscais que são oferecidos às pessoas que, à partida, já têm mais dinheiro para pagar as rendas", lamenta, apelando a que se pense "um bocadinho nessas políticas de atração de pessoas com rendimentos elevados" oriundas do estrangeiro.
"As pessoas são sempre bem-vindas", assinala, mas isso não deve passar por benefícios fiscais "que estão a contribuir para o aumento das rendas".
Susana Peralta lembra que "não há soluções mágicas" para "o problema do preço da habitação", porque este se relaciona com "a concentração de pessoas em espaços geográficos reduzidos, que são as áreas metropolitanas", o que origina "uma certa lógica económica de leilão, ou seja, a terra acaba por ser atribuída a quem paga mais".
Neste modelo, "a função social das casas tem sido muito descurada", reconhece, sublinhando que "há muita coisa que está numa casa" e isso "é muito importante" para a definição de uma política de habitação.
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